“Não há silêncio na solidão”

Ela coçou a orelha com a ponta dos dedos, a alergia de sempre dos brincos a fez arrancá-los sem pensar duas vezes, e sentou-se à beira do sofá tirando os sapatos. Finalmente em casa (ou infelizmente em casa), no silencio que perturbava a paz do ambiente enquanto seus irmãos menores e seus pais dormiam tranquilamente. Sentia que uma bomba ou qualquer coisas que fizesse barulho ou gerasse movimento precisava explodir porque enquanto estava ali naquele marasmo de vida sua cabeça era perturbada com milhares de insatisfações. “Não há silêncio na solidão”, lembrou do trecho da música que ouvira a duas horas atrás e achou que finalmente havia encontrado um sentido para a canção, com exemplos refletidos naquela melancolia momentânea, com sensação de prazer interrompido na metade, expectativa frustrada, vontade de uns porres, de chorar, de achar algum sentido novo para a vida.

Foi para o quarto, despiu-se das roupas com cheiro de cigarro e cerveja, entrou embaixo do chuveiro, ignorando o celular vibrando na pia do banheiro, enquanto tentava entender ou parar de pensar por que era sempre ela a imaginar situações pelas quais gostaria de passar, fantasiar amigos, lugares, amores e nunca viver nada disso. Sentia-se pela metade, assim como tinham sido todas as suas experiências amorosas, até onde ela deixava que as pessoas, inclusive seus próprios amigos, a conhecessem. A insatisfação era generalizada, aparente e incurável.

Precisava se encher de compras, de risadas em mesas de bar, enxergar beleza na simplicidade das coisas, e não sabia como fazer nada disso. Suas fantasias pareciam não poder se encaixar a realidade. Não conseguia se imaginar bonita como eram bonitas as meninas que ela via todos os dias no metrô e tentava descobrir o que as tornava tão interessantes. Não se imaginava feliz como os casais que ela via nos domingos em suas caminhadas matinais. “No fundo você se acha incapaz. E sem necessidade! Depois que você foi embora ele ficou aflito, querendo saber o que te deu!”, dizia a mensagem no visor do celular.

Enquanto fosse infeliz e insegura, tampouco iria parecer feliz ou bem resolvida, pensou. Talvez devesse começar a agir ao invés de esperar que a vida fizesse acontecer e procurar por si só entender sobre as coisas que as pessoas geralmente acham graça, conhecer novas pessoas ou, quem sabe, continuar fazendo as mesmas coisas com as pessoas de sempre e um espírito diferente. Devia ter hesitado em tirar os brincos, trancado a porta no instante em que a destrancou e vestido um sorriso na cara e disfarçado. Quem sabe se levasse si mesma e as próprias fantasias a sério, então as pessoas e o universo passassem a acreditar nelas também. Já era tarde, foi se deitar com os ácaros cantantes de seu travesseiro. Eles completavam a música.

“Voltar a ser alguém que me caiba
Sempre lembrar de que nunca mais
Chega mais cedo do que se pensa”

*Título e trechos da música: Me Perdi – Martin & Eduardo