Livrem-me da neocaretice e da falta de personalidade existente nesse planeta, amém!

Estamos tão habituados a viver no nosso universo particular ao lado de amigos e frequentando ambientes onde todos pensam como nós, que, ao sairmos dessa nossa bolha ideal, tomamos um susto! Nem todos pensam como nós e lá fora ainda existe um mar de preconceito e uma quantidade enorme de gente alienada, arcaica, que tenta impor sobre nós suas regras e verdades inquestionáveis acerca da vida, da moralidade, quase literalmente cagando regras de como devemos pensar e agir!

Essa gente me faz pensar que os preconceitos e essa repressão silenciosa crescem à medida em que avançamos nas questões de direitos sociais e liberdades individuais. Eles ainda acham válido que gays sejam espancados e discriminados para que se tornem “homens de verdade” e que a estes sejam negados direitos sociais primordiais em nome de uma duvidosa vontade divina! Também acham que devemos educar nossas crianças e adolescentes à base de pancadas, para que aprendam desde cedo a se defenderem da vida. Já vi muitos deles afirmarem que bons tempos eram o da ditadura, que jovens só deturpam a sociedade e que deveríamos restringir o uso dos computadores para menores de idade! Parece mentira, mas não é! Esses cidadãos se esforçam para tapar o sol com a peneira, defendendo proibições e ideais absurdos como se eles fossem capazes de solucionar questões muito mais complexas.

São as mesmas que, de forma sutil, insistem em achar estranho que alguém coma uma comida diferente, que vista uma roupa que não está na moda, que se sinta bem sendo quem é, gordo, magro, alto, baixo, que tenha outras concepções de certo, errado, moral, imoral, feio, bonito, e que não se sujeite totalmente às regras que elas entendem como determinadoras do bom caratismo de alguém!

Que elas livrem a todos nós dessa neocaretice!  Nossas ruas ficam mais bonitas quando há diversidade e nossa vida fica mais feliz quando não precisamos julgar todos a todo momento. Que elas nos livrem dessa falta de personalidade, porque não seríamos plenos se  obrigássemos pessoas a serem o que não são em nome do que entendemos por moral, e porque temos consciência de que atentar à liberdade de alguém desse modo, é ferir a nossa própria liberdade de sermos quem somos, amar quem quer que amemos e viver como vivemos.

Que tenhamos a paz de um dia viver em nossos mundos ideais sem nos trancarmos em mundos imaginários!

Trecho de Caio Fernando Abreu:

” (…) Saí do cinema pensando: é preciso estar atento e forte, colega, a Idade Média está de volta. Discretamente, todo dia, de muitas formas estamos sendo bombardeados por mensagens tipo: não saia da linha, não cometa nenhuma transgressão, não se apaixone. Caso contrário, você será punido por isso. O vírus da Aids materializou nas cabeças burras aquela velha suspeita de que toda a nudez, um dia, seria inevitavelmente castigada. O que confirma a culposa lenga-lenga judaico-cristã de que este planeta não passa mesmo de um sofrido vale de lágrimas, onde todo prazer é sinônimo pecado. Para quem acompanhou a luta das minorias nos anos 60 e 70, resta um espanto no ar: o que está acontecendo? É um retrocesso? Foi tudo inútil? Como se entrássemos coletivamente numa máquina do tempo moral e mental, para negar a História e ignorar todos aqueles vislumbres de felicidade individual conquistados nas últimas décadas. Tentar ser feliz agora, saindo fora do esquema, é crime. Homossexuais, mulheres independentes, homens descasados, rebeldes de todo tipo, artistas, loucos mansos e varridos: a nova moral está no seu encalço.

A neocaretice está solta pelas ruas. Ela mora no apartamento ao lado, na casa da esquina e anda muito preocupada com a possibilidade de Jocasta e Édipo consumarem seu colorido incesto às oito da noite. Ela quer que o sexo que não se destine exclusivamente à procriação seja varrido da face da Terra. Ela sorri amável no elevador, dá bons-dias, boas-tardes, boas-noites, depois fica prestando atenção na sua vida para ver se você está andando direitinho dentro da linha. E se não estiver, tome cuidado, porque de alguma forma você pode ser punido. Despejo, desemprego – você sabe, essas pequenas tragédias que acontecem com quem ainda é capaz de não só acreditar em um pouco de prazer, mas até de lutar por isso. Embora, concordo, ninguém saiba mais direito o que seria “o prazer” a estas alturas da década de 80.
Quanto a nós, meio gauches, meio bandidos, dinossauros sobreviventes daquele tempo em que tudo parecia que ia mudar – não resta muito mais a fazer senão resistir. Movidos, no mínimo, pela curiosidade de onde vai dar tudo isso. E sempre se pode cantarolar baixinho aquele velho blues (Milagres) de Cazuza, que diz assim: “Mas que tempo mais vagabundo é esse que escolheram pra gente viver?”. Caio Fernando Abreu – 20 janeiro de 1988

Dica de Livro do Dia #1 – Cartas, Caio Fernando Abreu

O livro que separei essa semana para falar aqui é o livro de cartas do Caio Fernando Abreu, compilado por Ítalo Moriconi. Ainda não terminei de ler, mas o que posso dizer é que esse é um daqueles livros para ler grifando! As cartas revelam quem era de fato Caio Fernando, contam algumas de suas histórias de vida, anseios e paixões, além de conter uma gama daquelas frases sobre a vida que a gente ama! É um livro sobre a vida e sobre um dos maiores escritores brasileiros, na minha modesta opinião! #Recomendo

Sinopse: Este volume reúne uma seleção de sua correspondência para familiares, amigos íntimos como Luciano Alabarse, Gilberto Gawronski, Marcos Breda, José Márcio Penido, Déa Martins, Luiz Arthur Nunes, Maria Lídia Magliani, Jacqueline Cantore e escritores e artistas queridos como Maria Adelaide Amaral, Adriana Calcanhoto, Regina Duarte, Bruna Lombardi, Mário Prata, Hilda Hilst e João Silvério Trevisan, entre outros.

Cartas de Caio F., saudades e existencialismos rápidos.

Ler essas cartas de Caio Fernando e viver numa era de internet e interatividade digital (oi?) me deixam com vontade de viver numa época diferente, com outros valores e outros interesses. Numa outra esfera, onde os amigos fossem mantidos por perto e as conversas de longas distâncias tivessem cheiro de papel, envelope e correio, e não de computador. Onde músicas lembrassem encartes e não players de mp3.

Ao passo em que as novidades chegam para nos aproximar do mundo, parece que o mundo se distancia cada vez mais da gente. Ando querendo sentar, escrever algumas histórias minhas, colocar os pensamentos num papel, mas sinto como se as tecnologias que foram inventadas para facilitar e agilizar a vida, me obrigassem a fazer um monte de coisas em um pequeno espaço de tempo, então quando o dia termina, acabo dormindo pesado.

Se temos a internet, para quê tempo para desperdiçar a saliva com amigos e gente querida? A gente parece que pisca e o tempo passa! E parece que estamos sendo consumidos pelas nossas próprias invenções. Um papo meio “Eu, robô!” demais, mas é verdade! É impossível também evitar pensar naquele discurso de Chaplin no final de “O Grande Ditador”: “(…) Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.”

Pensar sobre essas coisas me faz sentir saudade de momentos que não vivi, só passei perto… É um tanto traumático pensar que assim como os celulares, os computadores e as TVs, tudo está ficando mais compacto, até as nossas relações. Falta amor, falta tempo, falta espaço, falta profundidade e, principalmente, tempo para existencialismos. Boa noite.

“Todo dia alguém bate à nossa porta e nos convida a desistir.”

Sobre o título, não sei porque o escolhi, talvez seja porque tudo que o Caio Fernando Abreu escreve me agrada, mesmo não me trazendo nenhum sentido específico no momento.  E falando nele, tenho redescoberto o prazer em alguns gostos antigos, que eu acho até que já havia me esquecido, como o sabor incomparável de uma tarde de domingo ao som de um bom CD, deitada na minha cama com mil almofadas, um cobertor para esquentar os pés e um livro para invadir a mente de fantasias, reflexões, descobertas, humor, ou um pouco de tudo isso junto, sem pensar em mais nada.

Novos horizontes fazem bem, mesmo que estes estejam só nas linhas de um bom livro. Caio Fernando mesmo já dizia: “Às vezes a gente vai-se fechando dentro da própria cabeça, e tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é.”