Um Espelho de Reflexo Invertido (ou “No Surprises”)

De alguns anos para cá, tenho achado o mundo paradoxalmente morno e parado. Enquanto há guerras, revoltas populares na Europa e no Oriente Médio, a mídia nos bombardeia com informações que chegam por todos os cantos e as responsabilidades e exigências da vida contemporânea crescem a cada dia, eu pessoalmente tenho achado que nada sai do lugar, sentido que remamos e continuamos parados, sem inovar, vítimas de nossas próprias certezas e escravos das regras que criamos para nos auxiliar a viver com mais eficiência. E ao pensar no porquê, caio num saudosismo errôneo de achar que épocas anteriores à nossa eram mais saborosas. Posso imaginar o cheiro delas, o seu gosto, o visual das ruas, as discussões entre as pessoas, a arte fervilhando, personalidades que eram de fato subversivas, suas peças de teatro, os livros que eram lançados, as músicas que faziam sucesso nos bailes e tocavam nas rádios. Essa imagem que assombra minha cabeça talvez seja ilusória, mas me faz entender das coisas que sinto falta de viver.

No meu mundo ideal, nós lutaríamos contra esse marasmo, falaríamos o que realmente pensamos e teríamos embasamento, daríamos um basta nessa doença popular que é a sede de ser politicamente correto e moralista, e acima de qualquer hipocrisia, lutaríamos e faríamos protestos por problemas reais e não deixaríamos a vontade de tapar o sol com a peneira vencer. Não faria o menor sentido pessoas tentando barrar o direito de outras a serem livres, ou tentando impôr suas crenças religiosas, nos fazendo engolir o que é chamado de liberdade religiosa e, na realidade, só serve para mascar o desrespeito para com a diversidade sexual e de pensamento, ou com tudo que for diferente e alheio. Também não teria nenhum sentido cultuar ídolos teen de dezoito anos que lançam biografias de suas vidas para contar não sei o quê, ou ícones pop que não fazem absolutamente nada além de cantarem sobre os mesmos temas que são abordados há décadas e nem ao vivo conseguem cantar, recorrem ao playback, ou pior, celebridades instantâneas de quinze minutos que não possuem nada além de atrativos estéticos para mostrarem.

Entendo que através de arte ou de outros meios, todos precisam extravasar o stress diário, mas, no meu mundo ideal haveriam anti-heróis e heróis de verdade, que muito além de artistas, seriam também livres pensadores e criariam dentro de cada pessoa uma ânsia pelo questionamento e a reflexão, nos permitindo enxergar mais além, nos dando bons e maus exemplos, e não ídolos como os de hoje, que poderiam ser qualquer um de nós se tivéssemos um pouco mais de dinheiro, sorte e uma boa equipe.

O cotidiano atual tem funcionado como um espelho de reflexo  invertido onde mesmo com escândalos estampando capas de jornais e revistas, catástrofes, notícias de corrupção e mais um centenas de outros absurdos como abusos, violência, injustiças, fofocas e os pequenos “Big Brothers” que existem nas redes sociais, me sinto anestesiada de tédio e ceticismo. Por que tanta inércia, meu deus, por quê?

Educação: um problema de todos.

Quando pensamos em educação, automaticamente imaginamos escolas, professores, alunos, porém a educação vai além disso, estando presente fora do ambiente escolar e de maneira informal, o que inclui difusão de cultura, de valores sociais como certo e errado, padrões de conduta, e acaba formando tipos de homens e mulheres que variam de acordo com sua época, região e características da sociedade em que estão inseridos. Isso significa dizer que a educação, em suas diversas formas, é que constitui cidadãos que irão perpetuar sua cultura, seus valores, e os preparar para exercer plenamente a função de cidadãos. Educação constitui a base de um ciclo que envolve cidadania, cultura, democracia e liberdade. Sem ela não é possível a construção de um Estado democrático onde os cidadãos tenham discernimento para julgar os governantes e suas propostas e assim, garantir que a sua vontade seja efetivada. E que esses cidadãos possam analisar fatos, propostas, polêmicas, sem interferência da mídia, de valores religiosos e, dessa forma, possam agir a favor do bem comum e não tão somente de interesses pessoais.

Entretanto sabemos que a educação no nosso país rasteja em estado de calamidade pública, deixando de formar pessoas com o mínimo de conhecimento e capacidade de julgamento necessários para que possam desempenhar seu papel social de forma coerente.Não vejo outro meio de narrar a educação das escolas públicas como conhecimento empilhado e que torna massante o aprendizado ao aluno. Isso faz com que não tenhamos uma cultura que fuja do padrão Globo de televisão, e as pessoas não questionem sua realidade. Pessoas céticas como eu, você e muitos que não acreditam que mudanças possam ser feitas. Sem educação nos falta também uma série de outros direitos como segurança, transporte, saúde, moradia de qualidade, e que, uma minoria se revolta e cobra posições do governo e dos órgãos competentes, enquanto a maioria permanece na inércia do ceticismo acreditando que mudanças serão impossíveis. Ter uma massa questionadora é o princípio básico para o início de qualquer sociedade democrática e livre, e nosso país está muito longe de alcançar isso.

Me vejo também muito cética em relação a mudanças sociais no Brasil, mas no fundo ainda acredito que através da educação e de fortes meios de conscientização mudanças possam começar. E percebo isso observando que pouca gente tem consciência de que um problema grave como na educação do nosso país afeta a todos, desde o cara que pertence a uma classe social mais elevada e tem medo de sair na rua e ser vítima de um assalto, ao que faz parte da classe média, sustenta os ricos e sofre com a falta de estrutura das cidades, e ao cara que é pobre e não tem meios de mudar sua condição social, dando uma demonstração o mais clichê possível. Pensar educação vai além se percebermos quem são os cidadão e tipos de pessoas que estamos formando, quem serão os profissionais que nos atenderão daqui a 10 anos, quem dará continuidade aos progressos que a humanidade conseguiu até então, irá propagar nossa cultura, se pecamos desde o mais básico. E, sinceramente, não vejo por onde começar as mudanças.

Penso que talvez parar de tratar das conseqüências sem dar prioridade a suas causas, leia-se: cortar o mal pela raíz, seja um bom começo, mas não depende só da minha pobre vontade solitária ([…] eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade. Paulo Freire). Sem a conscientização da sociedade para a importância da educação não é possível cobrar ações pública, e sem isso, nada se faz. Uma luta social deve partir da vontade da sociedade e não de fora dela para que seja real e séria. É um ciclo vicioso: sem educação não há conscientização, e sem conscientização não há educação, interpretando educação não só como o ensino formal, escolar.

Gosto de uma citação que o Nenê Altro fez em algum trecho do Manifesto Discórdia, onde diz que as pessoas lutam por seus próprios interesses e não pra que seja feita a caridade, um ponto que acho importantíssimo ressaltar. Precisamos pensar em educação e criar meios de reverter a vergonha que ela é em nosso país para o nosso bem, e é acreditando nisso que vou todos os dias para a faculdade buscando meios de mudar alguma coisa, talvez para mim mesma, dado que há muito percebi que viver para tentar agradar os outros não funciona… Vou encerrar com uma frase do Paulo Freire, mais uma vez, que é minha recomendação de leitura do post de hoje e que mesmo tendo sido escrita há algumas décadas, permanece atual: A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tam pouco a sociedade muda.