A criança que você foi se orgulharia do adulto que você é hoje?

Eu nunca entendia quando me diziam para não ter a pressa de crescer pois um dia eu sentiria falta dos meus tempos de criança. E pois é, agora eu entendo. A vida perde totalmente a graça depois que a gente entende que o Papai Noel é aquele tio gordo e fanfarrão que coloca uma fantasia na noite de Natal para enganar você e seus primos. Quando a gente descobre isso e deixa de esperar o Papai Noel com os olhos semicerrados imaginando flagrar ele trocando a meia na janela por algum presente, a vida vai perdendo um pouco do sabor. E ano após anos nos tornamos diferentes, vamos trocando as ilusões infantis por aquilo que chamam de maturidade.

Acho que tenho um complexo de Peter Pan: morro de tédio com esse papo de ser adulto e ter que ser coerente o tempo inteiro, de obedecer as regras simplesmente por obedecer. E eu provavelmente me mataria se me visse condenada a uma vida de obrigações, abrindo mão dos meus pequenos prazeres diários, destinada a cumprir e só. Eu sou hedonista. E meu grande defeito é só fazer aquilo que eu gosto, ou, no máximo, me obrigar a fazer tarefas que não me agradam tanto, mas também não agridem muito o meu ego meio inflado. E eu que tenho esse problema de ser meio cética em Deus e nessa parafernália castradora de céu e inferno, acabo achando que o grande sentido dessa vida é aproveitarmos nosso tempo para evoluir e descobrir quem somos nós e o que estamos fazendo perdidos aqui nessa pantomima chamada humanidade.

Viver requer coragem. Requer acordar todos os dias tentando enxergar além dos nossos problemas e não nos deixarmos fechar no nosso mundinho limitado a possibilidades e soluções igualmente ruins. Às vezes imagino a vida como uma grande aventura em que a gente enfia umas roupas na mala e sai dando a cara a tapa pra ver se um dia consegue ser feliz de fato. E viver dói. Abrir mão dói. Mas a sabedoria de nos desapegarmos, de nos livrarmos daquilo que já não nos faz bem, é o que no fim das contas realmente importa.

E eu não quero ninguém me dizendo quem ou quais eu devo valorizar. A quem eu devo dirigir meu ‘bom dia’ ou meu ‘boa noite’. Nossa vida passa rápido demais pra gente ficar negando fogo, ficar negando afeto, ficar negando se doar por inteiro, endurecendo pra não ferir o orgulho. E é curta demais também pra ficar tentando ferir os outros, pra ficar desperdiçando com brigas e rancores. Tudo passa rápido demais e a gente fica se esquecendo o tempo inteiro de enxergar humanidade no outro!

– Eu não quero ser Gandhi, mas eu quero ser leve, por favor!

Também quero acreditar que o mundo é sim de boas intenções! Quero não endurecer com as pauladas. Quero ser PhD em desilusões amorosas, sem nunca desaprender a amar alguém. E se nada disso for possível, quero mais uma tarde com meus velhos amigos numa mesa de bar, um trago de um bom cigarro e cerveja bem quente para aquecer almas frias.

Em passos largos ao sul de lugar nenhum…

O tempo anda tão depressa que é comum olharmos para o calendário e já estarmos no meio do mês. É contando sempre a chegada do final da sexta-feira que levamos nossas vidas, com pressa o tempo inteiro. Pressa para chegar logo no trabalho, pressa para o expediente acabar e, por fim, a pressa para voltar para casa . Talvez nossa pressa seja apenas uma ideia ilusória de que chegaremos mais rápido ao sossego. Vamos seguindo, dia após dia, na esperança de um fim de tarde sem nada na cabeça, um tempo livre para podermos gastar com a família ou nossos amigos; quem sabe aquele passeio no parque, aquele barzinho para jogar conversa fora, ler um livro ou assistir aquela comédia bestinha, só para gastar o tempo. Mas, de todo modo, vivemos na era da urgência! Tudo é urgente! É urgente chegarmos ao trabalho, e termos mais dinheiro para as férias, e quando estamos de férias, sem nada para fazer, é urgente que encontremos uma ocupação abrupta para escaparmos do tédio que é conviver apenas com nossos pensamentos.

E como se não bastasse o caráter de urgência das grandes cidades, há ainda a poluição sonora e a tecnologia nos assombrando a cada passo que damos. Quando estamos em casa é o carro da pamonha passando na rua e nos impedindo de ouvir o telefone ou à televisão. Quando estamos no metrô são os celulares de sujeitos sem educação que, como se não bastasse tocarem música alta, tocam música ruim. No trânsito são as buzinas e os palavrões dos apressadinhos, e o pouco que sobra da fé na humanidade indo pelo ralo quando vemos um sujeito despejar pela janela um maço de cigarros já vazio. A tecnologia que nos prometeram que viria para ajudar, apenas está nos engolindo com sua velocidade.

Os celulares nasceram com a promessa de quem não dependeríamos mais dos telefones fixos para nos comunicar e, sem que notássemos, nos fizeram perder aquele momento em que sentávamos ao sofá e  atualizávamos os amigos sobre os acontecimentos da nossa vida. Aos poucos as vozes que ouvíamos do outro lado da linha passaram a ser substituídas por mensagens de texto e as coisas que passávamos minutos contando no telefone, podem ser lidas em instantes no mural de qualquer Facebook. Pensamentos cada vez mais fragmentos em 140 carácteres. E os carros que nos vendem com a promessa de status e conforto só nos garantem a comodidade de ficarmos presos no trânsito.

Perdemos alguns hábitos que davam um sabor mais gostoso para a vida. Não temos mais tempo para nos sentar e ler um livro. Lemos em pé nos ônibus e nos metrôs mesmo, para passar o tempo mais depressa. Já não reservamos um espaço durante o dia para ouvir os discos que gostamos; a comodidade de fazer o download de discos inteiros em menos tempo do que gastaríamos caso fôssemos a uma loja, nos fez deixar de apreciar as fotos dos encartes, o ritual de ligar o som e colocar um CD para tocar. A regra é que ocupemos o nosso tempo de alguma forma e a ociosidade tão necessária, nos vem carregada de culpa.

A Era da Urgência é também a Era da Ilusão, onde somos comprados por tudo e por nada. Somos comprados por promessas de um futuro e uma paz que nunca chegam. Somos comprados pela ideia de um presente que não mais vivemos já que estamos ávidos pelo futuro. E somos consumidos pela ideia de um passado que nos enche de nostalgias. E esse, é um texto sem conclusão, talvez porque a grande claustrofobia dessa nossa era, é não conseguirmos enxergar saídas e nem meios de nos livrarmos dos nossos hábitos que só consomem nossa juventude, nossa saúde e nos fazem viver e morrer por nada. Talvez para enchermos os cofres dos bancos, quem sabe, e usufruirmos muito pouco dos nossos esforços…

Com essa vida que se leva “não sobra nada pra morrer”…

Ninguém gosta de falar sobre a morte. É mórbido, assusta, é estranho pensar no mundo girando sem a gente pra fazer parte dos fatos. E, devido a essa nossa dificuldade de pensar sobre o assunto, acabamos vivendo como se tivéssemos mais sete vidas pela frente, mas não temos. Sempre me faço uma pergunta: “Se eu morresse hoje, eu estaria satisfeita com a vida que eu levei?”, e é claro, a resposta é sempre “não”! A gente idealiza uma vida, mas é sempre impossível colocar tudo em prática e aí ficamos com aquela sensação de que podíamos ter feito mais, mudado uma atitude aqui e outra ali, que podíamos ter tido mais coragem, etc… Sempre me pergunto também como eu viveria se soubesse que só tenho mais um ano de vida e chego à conclusão de que eu me importaria menos com as coisas que tiram o meu sono de noite, que eu teria menos preguiça de me levantar da cama, seria mais próximas das pessoas que eu amo e relevaria mais algumas atitudes para evitar brigas, teria mais coragem de ir atrás do que eu quero e me importaria menos com a opinião alheia, entre outras coisas.

Fazendo todas essas perguntas, eu sempre me surpreendo negativamente com a quantidade de gente que vive amarrado à convicções que não importam porcaria nenhuma, obcecados com a ideia de que é preciso ser normal. Em um mundo capitalista o que é ser normal? É viver em busca de status, dinheiro, ter uma casa bonita e um quadro digno de “família de comercial de margarina” na parede da sala enquanto os problemas se acumulam debaixo do tapete? Enquanto a sede por dinheiro não paga a conta de uma vida gasta tentando se adequar á última moda? Isso é o oposto do normal, nada mais é do que nós humanos aplaudindo a escravidão a que o sistema nos submete.

Estamos nos tornando seres previsíveis e pateticamente parecidos, enquanto deveríamos valorizar as diferenças em nome de um mundo com mais graça, mais cor, mais contrastes e mais humanidade antes de qualquer coisa! Soa revolucionário e romântico, mas não é! Estamos cercados de medo, como se a nossa liberdade fosse um peso maior do que o prazer que ela pode proporcionar. Na verdade nós temos medo e não sabemos nem de quê e o medo é a principal arma do sistema para nos escravizar! Nós somos escravos das instituições religiosas que fazem  de tudo para moldar nossas leis e nos obrigar a agir de acordo com suas epifanias doentes! Somos escravos do trânsito que nos faz perder horas e horas a fio em congestionamentos. Somos escravos da moda, dos padrões de comportamento e de beleza, e estamos deixando que ponham as mãos em nossa bunda e nos digam que ela é grande demais para caber na calça cool da semana de moda! O modo como vivemos é uma espécie de não-vida.

Será que se tivéssemos realmente a consciência de que vamos morrer algum dia, nos importaríamos com qualquer bobagem e teríamos tanto medo de andar fora do rebanho? É simplesmente ilusória a ideia de que um novo sistema mudaria as coisas, que uma revolução adiantaria alguma coisa! Seria o mesmo que fantasiar uma pessoa de árvore, ela continuaria uma pessoa! Temos que começar por nós, viver como se não tivéssemos muito tempo, e começar a agir de acordo com nossa consciência e fazendo as nossas próprias escolhas sem nos importar muito com o que esperam de nós! Embarcar numa viagem de auto-conhecimento e evolução pessoal e só então, poderíamos conquistar todo o resto! Viver não só com nossos corpos e nossas contas bancárias, mas com nossa alma, por inteiro, sendo senhores de nossas vidas e das mudanças que queremos ver!

“Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouví-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer.” Charles Bukowski

E você, morreria feliz? O que faria se tivesse apenas mais um ano de vida?

Morrer é fácil, amar é que é difícil…

Rainha do drama e a melhor em desperdiçar o tempo com preocupações inúteis. Acho que é mal de espécie o fato de todos nós humanos termos  a capacidade nata de não saber reconhecer o que realmente importa. É clichê, porém é também um fato que só reconhecemos o valor das coisas quando as perdemos, ou no caso de agora, quando chega uma reflexão em formato de luva de box e acerta num golpe a boca do estômago.

Assisti um filme lindo essa noite, Inquietos, e achei a mensagem excelente. Me fez pensar muito e principalmente no quanto nossa vida é curta, no quão parecidos a grãos de areia somos se comparados ao tempo geológico, e sendo assim, no quanto é curto o espaço de tempo que temos para fazer com que nossas vidas se justifiquem. E para isso não podemos pensar e agir como se fôssemos eternos, porém quem sabe pensar que morrer não é nada se antes disso soubermos dar importância ao que importa.

Mas nós enquanto humanos tão mais evoluídos, conseguimos nos equiparar a ouriços, afastando as oportunidades com nossos espinhos de orgulho e prepotência, enquanto deveríamos baixar nossa guarda, perdermos nosso medo de revelar quem somos no mais íntimo escondido. Mesmo amando, temos medo de amar e nos deixar ser amados. Mesmo sentindo, preferimos sufocar as palavras dentro do peito e arrumar outra coisa para distrair nossa atenção. Mesmo não sendo eternos, conseguimos agir como se tivéssemos todo o tempo do mundo e acabamos não fazendo nada, não deixando nada, sendo apenas agulhas no palheiro desses 4,5 bilhões de anos do planeta. Nós humanos e tão sábios, ainda achamos dificuldades para encontrar o que enfim justificará nossa existência.

“Não há diferença no que estamos fazendo aqui
Que não apareçam como sintomas maiores lá fora
Então por que gastar nosso tempo vestindo nossas bandagens
Quando temos a chave fundamental para a causa aqui mesmo, dentro de nós?

Olhe nós formando nossas facções em nossa caixa de areia
Olhe nós microcrianças com nossos corações bloqueados
Olhe nós dando as costas a todos os pontos ásperos
Olhe ditadura no meu próprio quarteirão”
Alanis Morissette – Underneath

* O título saiu de uma frase do filme “Inquietos”.