No olho do furacão

No olho do furacão fica difícil de enxergar. Fica difícil de te ver. Fica difícil concluir se sou teu amigo homem, ou se você joga os dados para eu brincar. Fica difícil te decifrar, interpretar suas ações, teu jeito, tua fala…

No olho do furacão eu me sinto tirando os pés do chão, perdida na confusão da minha própria cabeça, que às vezes é lúcida mas que às vezes também me prega peças, como aquele sonho meio impróprio que tive com você.

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E essa coisa de sonho, de percepção, de enxergar as pessoas acontece sempre num tom jocoso: ninguém é de fato aquilo que parece ser. E no fundo a gente se encanta com nosso modo de ver as pessoas. Tudo é um conjunto. O modo de rir, o jeito de falar, as piadas sem graça, a fragilidade que o outro mostra ao tentar ser mais duro e mais coerente do que realmente é e o modo como lidamos com essas pequenas idiossincrasias, com as sensações que esses detalhes nos proporcionam.

E nessa mania de iludir a si mesmo é que a gente tropeça nas palavras, desvia o olhar, perde a fome, o sono, o fôlego, sente essa necessidade absurda de encontrar essas emoções no olhar do outro também. A gente se encanta com quem a gente é ao lado daquela pessoa, com as nossas expectativas em relação a ela, com nosso sorriso besta no canto dos lábios. Podia bem ser um infarto, mas a gente fica e com a pulga atrás da orelha pensando se não é, de fato, amor.

E geralmente é. É a hora de dar passos para trás ou olhar de frente. É a hora de decidir ir embora ou ficar.

E eu realmente gostaria que você me dissesse para ficar. Mas eu vou…

Crônicas de um amor clichê

Ainda me lembro daquela tarde de café no Starbucks e a nossa foto tirada no espelho. Não bastasse todo o clichê de filme americano, eu também achava que estava diante do único ser humano que poderia compreender meus clichês existencialistas. Mulher-independente-segura-cheia-de-si-e-de-aço-com-vontades-próprias-mas-que-também-quer-um-amor-porra. Tão simples, não? Não. Confirmado à contra-gosto o clichê de que homem teme sim mulher que sabe de si e impõe suas vontades e que mulher, claro, adora fazer cena pra ver se no desfecho se sente um pouco mais amada. Outro clichê que confirmo com vontade é que mulher sempre enfia o pé na jaca com menos cuidado. Se doa, imagina, faz planos enquanto arruma o formato da sobrancelha sozinha diante do espelho e, se não tomar cuidado, se frustra.

Nunca soube conduzir muito bem o raciocínio, mas o que me parece, é que os poetas e seus clichês estão todos certos. “Amor é um cão dos diabos”, ou seja lá o que você escolhe dizer se não for chegado a Bukowski. Prefiro vodka. Amor é uma merda. Amor enche o saco. Dá dor de estômago. Tira o sono. Xico Sá já disse: “A vida é breve, a D.R. é longa.”.

Se a gente ama demais, acaba não amando de um jeito que seja eficaz: esquece que amar também é dar espaço pro outro não sufocar, e esquece de se amar também. Se ama de menos… Calma, existe isso de amar de menos? Existe tanto pra se dosar. Aprender a fazer concessões. Dialogar. A cabeça de uma mulher sempre faz parte do quebra-cabeças masculino.

No final das contas, meus caros, mulher nenhuma é santa mesmo. Dentro da nossa cabeça sempre mora um diabinho que vos insiste em manipular com as mais descaradas chantagens emocionais e atuações teatrais. Na verdade, ela não te odeia. Ela te ama, mas o fez acreditar que está transando com o cara mais maravilhoso do planeta porque você não deu conta do recado. Mas deu sim. E ela não te tira mais da cabeça. Você só deu uma mancada, e ela quer que você reconheça sua parcela de culpa. E ela gosta de saber que ganha tão bem quanto você, ou que rala igual, agir como quem não precisa de ninguém, mas ela precisa. E aposte que justamente por isso, por ela ser dona de si, é que ela te deixa ser cúmplice nessa propriedade privada com tanta honestidade. Uma mulher sempre vai ser um pouco de ajuda ou bagunça no seu caos.

P.S.: Me desculpem por mais um texto hétero normativo demais.

 

 

A criança que você foi se orgulharia do adulto que você é hoje?

Eu nunca entendia quando me diziam para não ter a pressa de crescer pois um dia eu sentiria falta dos meus tempos de criança. E pois é, agora eu entendo. A vida perde totalmente a graça depois que a gente entende que o Papai Noel é aquele tio gordo e fanfarrão que coloca uma fantasia na noite de Natal para enganar você e seus primos. Quando a gente descobre isso e deixa de esperar o Papai Noel com os olhos semicerrados imaginando flagrar ele trocando a meia na janela por algum presente, a vida vai perdendo um pouco do sabor. E ano após anos nos tornamos diferentes, vamos trocando as ilusões infantis por aquilo que chamam de maturidade.

Acho que tenho um complexo de Peter Pan: morro de tédio com esse papo de ser adulto e ter que ser coerente o tempo inteiro, de obedecer as regras simplesmente por obedecer. E eu provavelmente me mataria se me visse condenada a uma vida de obrigações, abrindo mão dos meus pequenos prazeres diários, destinada a cumprir e só. Eu sou hedonista. E meu grande defeito é só fazer aquilo que eu gosto, ou, no máximo, me obrigar a fazer tarefas que não me agradam tanto, mas também não agridem muito o meu ego meio inflado. E eu que tenho esse problema de ser meio cética em Deus e nessa parafernália castradora de céu e inferno, acabo achando que o grande sentido dessa vida é aproveitarmos nosso tempo para evoluir e descobrir quem somos nós e o que estamos fazendo perdidos aqui nessa pantomima chamada humanidade.

Viver requer coragem. Requer acordar todos os dias tentando enxergar além dos nossos problemas e não nos deixarmos fechar no nosso mundinho limitado a possibilidades e soluções igualmente ruins. Às vezes imagino a vida como uma grande aventura em que a gente enfia umas roupas na mala e sai dando a cara a tapa pra ver se um dia consegue ser feliz de fato. E viver dói. Abrir mão dói. Mas a sabedoria de nos desapegarmos, de nos livrarmos daquilo que já não nos faz bem, é o que no fim das contas realmente importa.

E eu não quero ninguém me dizendo quem ou quais eu devo valorizar. A quem eu devo dirigir meu ‘bom dia’ ou meu ‘boa noite’. Nossa vida passa rápido demais pra gente ficar negando fogo, ficar negando afeto, ficar negando se doar por inteiro, endurecendo pra não ferir o orgulho. E é curta demais também pra ficar tentando ferir os outros, pra ficar desperdiçando com brigas e rancores. Tudo passa rápido demais e a gente fica se esquecendo o tempo inteiro de enxergar humanidade no outro!

– Eu não quero ser Gandhi, mas eu quero ser leve, por favor!

Também quero acreditar que o mundo é sim de boas intenções! Quero não endurecer com as pauladas. Quero ser PhD em desilusões amorosas, sem nunca desaprender a amar alguém. E se nada disso for possível, quero mais uma tarde com meus velhos amigos numa mesa de bar, um trago de um bom cigarro e cerveja bem quente para aquecer almas frias.

Afim de te acompanhar…

Uma sensação de Dejá vù a acordava. A mesma história começando a se repetir e ela tendo a consciência disso. Podia manipular os fatos, as pessoas, reverter o jogo para tornar a disputa favorável a si mesma, como não o fez à princípio? O que era real e o que não passava de imaginação? Ela estava confusa. O que era um presente vindo de lugar algum podia também ser uma arma de destruição em massa. Ela optara uma vez por ser altruísta, mesmo não sabendo a total dimensão dessa palavra, e em troca percebeu que as pessoas não se importavam com ela da mesma maneira a qual ela fazia questão de se importar. Era sempre verdadeira, mas agora podia escolher usar de sua influência e pensar apenas em si mesma.

Como maneira de supor o que poderia acontecer num futuro nem distante e nem próximo também, ela imaginava e criava hipóteses pra imaginar o que poderia ter acontecido se na primeira vez ela tivesse dado vida à víbora que residia em si, amordaçada por seus medos, inseguranças e vontade de agir de boa fé. Ela sabia que se quisesse podia ter o que sonhava. Sabia o que queria, enquanto a outra, não! Mas também tinha medo de entrar num jogo por pura gana de vencer e não por ter sentimentos de verdade, e aí jamais se perdoaria por ter agido por puro egoísmo, e não movida à paixão. Por muitas vezes ela fingia que não enxergava, mas longe de sua consciência ela admitia que eles tinham coisas em comum, e sonhos que casariam muito bem. Eles poderiam crescer juntos, viver não apenas de atração física, mas de horas infindáveis de assuntos, discussões edificantes e opiniões conjuntas. Ela questionava se ele já havia pensado essas coisas em segredo também e o motivo deles nunca terem usado o rótulo de melhores amigos, embora soubessem que compartilhavam intimidades demais.

O que separava sonhos da realidade? Por que ela tinha a impressão de que era inconsequente, enquanto ele era certinho demais? Por que vivia chegando à conclusão de que apesar de todas as diferenças, eles tinham objetivos muito comuns? Eles viviam, de formas diferentes, buscando as mesmas coisas em pessoas distintas, mas por que não um no outro?

Essas divagações porém, não cabiam. As questões que a motivavam a horas de reflexões eram existencialistas: ela sabia que qualquer decisão que tomasse, tendo consequências positivas ou negativas, seriam de sua responsabilidade. E tinha ciência também que não poderia sonhar eternamente, ou decidia-se a lutar por ele ou não. Ou dava a cara a tapa ou não. Ou vencia seus temores e descobria se ele se sentia da mesma forma, ou teria sempre um “não”! Seria um Dejá vù com gosto de volta por cima, ou amargurado com o sabor do altruísmo?

22.2.2012

*O título é um trecho de ‘Último Romance’, do Los Hermanos.

O que ele viu em mim?

Você gosta daquele seu jeans que faz com que você pareça mais magra e detesta ó vestido com uma fenda nas costas que ele te deu de aniversário. Você se ama naqueles dias em que o seu cabelo amanhece como se tivesse acabado de sair do salão, mas ele gosta quando você acorda com preguiça de penteá-los, faz um daqueles coques meio mal-feitos, e passa o dia com ele. Ele gosta das caras que você faz enquanto lê um livro engraçado, e fica com aquele sorriso no canto dos lábios. Você nem percebe, mas ele gosta mais de quando você age naturalmente do que quando você se prende a inseguranças e age como se seguisse um roteiro ensaiado de caras, bocas, cabelos e maquiagem.

Ele parece gostar de você exatamente pelos motivos opostos aos quais você preza a si mesma. Você se sente mais segura com aquele novo corte que te deixa com cara de moderninha, mas ele prefere o cabelo antigo, que te deixa com cara de você mesma. E ele te deixa com a impressão de que as características que você e ele detestam em si mesmos são completamente diferentes. Os relacionamentos têm dessas, a gente nunca é amado ou odiado pelas coisas que a gente acredita que é! Ele odeia aquele colete que você o obriga a usar por cima da camisa nos dias de frio; ele diz que fica com cara de nerd, mas você acha que combina com a barba dele e o deixa mais charmoso.

Vocês custam a acreditar um no outro, mas no fundo sabem que esse é um dos pontos mais incríveis de estar ao lado de alguém: sempre dá para descobrir coisas sobre nós mesmos através e com a ajuda do outro. Estar ao lado dele te faz parecer mais real, se sentir mais mulher, mais livre, com mais vontade de ser quem você é e se livrar a cada dia de qualquer insegurança ou vergonha que isso te traga. Te faz acreditar que não só você ou ele, mas que toda pessoa é muito maior do que parece ser e muito mais do que cabe em si. É até esquisito, mas quando ele diz que ama aquela sua marca de nascença que você sempre acreditou que estragava suas pernas, ele te faz perceber que, mesmo com todos os altos e baixos da relação de vocês, um ponto muito crucial ainda está presente para segurar tudo: ele atura as coisas que você julga mais irritantes em si mesma e isso o torna diferente de todos os outros.

O Problema do Amor Unilateral

Semana passada, lendo alguns blogs, fui apresentada ao psicanalista Flávio Gikovate, que foi um dos pioneiros no Brasil a abordar questões sobre amor e sexualidade. Gikovate escreveu diversos livros e apresenta todos os domingos às 21h, pela CBN, o programa “No divã do Gikovate”. Foi uma enorme e maravilhosa surpresa assistir a uma palestra do psicanalista na qual ele fala sobre amor e sexualidade, temas que por serem dotados de tantos clichês e obviedade, tornaram-se chatos e desinteressantes. Gikovate porém, os abordou com uma enorme clareza e os expondo de maneira pouco corriqueira, provou que é sim possível falar sobre amor e sexualidade sob novas perspectivas.

Segundo o autor, crescemos buscando a sensação de perfeição, paz e plenitude que sentíamos ainda no ventre materno, que seria responsável pelo fenômeno do amor. Entretanto, crescemos acreditando em uma forma de amor que foge à realidade dos relacionamentos amorosos saudáveis e felizes, já que esta se baseia na ideia de um amor romântico, no sentido literário da palavra, que parte da premissa de que o indivíduo é sempre incompleto e então, irá se relacionar com outro ser tão incompleto e assim, os dois irão se completar, como se essas pessoas fossem a “fórmula da felicidade” de seus respectivos amores. Contudo, esse modelo não funciona, pois, baseado nessa relação de inter-dependência, os envolvidos passam a descontar suas frustrações e insatisfações nos parceiros, e a relação jamais evolui. Daí surge também a ideia de quem os opostos se atraem, visto que a mesma é alicerçada nos dizeres de que o o traço que um indivíduo não possui por natureza, ele irá encontrar em seu parceiro.

E então, dado o problema, qual seria a solução, a fórmula secreta que todos querem descobrir para viver relacionamentos amorosos saudáveis, felizes e prósperos? O segredo estaria na individualidade, que leia-se, é totalmente diferente do egoísmo. E realmente faz muito mais sentido: uma relação entre duas pessoas que são completas, que sabem conviver consigo mesmas, que não se afligem com a solidão e que se amam e acrescentam um ao outro. Foi lendo Gikovate que entendi o motivo de ser tão incompreendida por algumas amigas e de (quase) sempre me envolver com as pessoas erradas. Foi Rita Lee quem disse: “Amor sem sexo é amizade”, mas quando avançamos no patamar dos relacionamentos, acabamos nos envolvendo sentimentalmente com quase-amigos, quase por que, além do envolvimento afetivo, há simultaneamente o envolvimento sexual.

Estar ou não em um relacionamento concreto, estar namorando, morando junto, ou casado com alguém, é tido como um bônus para alavancar o status social, logo quem não está envolvido com ninguém é tido como um coitado, visto como incompleto. Realmente nunca tive ou sempre deixei minha sorte no amor escapar, o que não significa que eu seja menos feliz do que alguém que tem com quem dividir o travesseiro todas as noites. De fato, depois que parei de emendar relacionamentos que pouco me fizeram crescer, e perdi o medo de ficar sozinha, de não ter sempre companhia para o cinema, para quem ligar tarde da noite e falar coisas quentes, aprendi a gostar de quem eu sou e reconhecer o que há de bom e de ruim em mim, e conquistei o prazer de conviver e lidar bem com isso. Não há nada mais gratificante do que conhecer a si mesmo, e saber que esse auto-conhecimento foi conquistado à suas próprias custas, sem depender de uma terceira pessoa e claro, usar isso a seu favor, escolhendo melhor as futuras pessoas com quem irá se relacionar.

Contudo, é difícil que as pessoas percebam isso, como eu também demorei a perceber, e continuem no eterno ciclo vicioso dos relacionamentos de inter-dependência que nunca funcionam, até que resolvam mudar a fórmula. Talvez a dificuldade nessa mudança seja fruto de uma ideia de posse e ciumes existente na maioria dos relacionamentos, que ao invés de serem baseados na cumplicidade do casal, se estruturam em cobranças e obrigações. Nessa situação, acaba sempre existindo aquele que necessita menos de amor e o que necessita mais, sendo que sempre vai haver insegurança, insatisfação e a grande armadilha do amor unilateral,onde um sempre ama mais, ou ama a projeção que fez do outro para alimentar suas expectativas desesperadas de encontrar companhia e a cura para seu vazio interior. Não sei se é muito, mas talvez seja mais difícil encontrar quem esteja disposto a vivenciar um relacionamento “moderno” onde o amor e não convenções sejam a regra, e que haja sinceridade para que nenhuma das partes se aproveite da liberdade que o relacionamento fornece para garantir benefícios apenas a si próprio.

E segue abaixo um trecho da palestra de Flávio Gikovate no programa Café Filosófico:

As demais partes do vídeo podem ser vistas no youtube e se você quiser saber mais sobre o tema, pode ler o artigos no site do psicanalista.