As versões de “Please, please, please, let me get what I want”.

Uma das bandas mais importantes do cenário britânico de rock dos anos 80 foi o The Smiths, lançando em 1984 um disco de nome homônimo, com grande carga política e já grandes hits que virariam sucesso, como “How soon is now?”, “Heaven Knows I’m Miserable Now” e “William, It Was Really Nothing”. Em seu segundo disco, denominado “Meat is Murder” ou  “A carne é morte”, já mais madura, a banda apresentava inovações musicais e Morrissey defendia o vegetarianismo, uma bandeira que ergue até hoje, sendo este importante para afirmar o caráter político da banda. Porém é no terceiro disco,  “The Queen is Dead”, lançado em 1986, apresentando sucessos como “Cemetry Gates”, “The Boy with the Thorn in His Side”, “There Is a Light That Never Goes Out” e “Some Girls Are Bigger Than Others”, que o Smiths começou a enfrentar turbulências internas e após o lançamento de seu quarto disco, “Strangers, Here We Come”, em 1987, a banda se separou, por divergências entre Morrissey e o guitarrista Johnny Marr, e não mais se reencontrou mesmo após diversas oportunidades oferecidas aos integrantes.

A música “Please, please, please, let me get what I want”, lançada na coletânea “Hatful of Hollow”, em 1984 no Reino Unido – porém apenas em 1993 nos EUA – é até hoje considerada um grande sucesso da carreira do The Smiths, sendo apresentada inclusive nos shows na carreira solo posterior de Morrissey e tendo sido interpretada por diversas bandas que deram um aspecto diferente à canção. Veja abaixo algumas delas!

Please, please, please, let me get what I want“, sob o comando dos também britânicos da banda Muse:

Na versão dos duos Agridoce, de Pitty e Martin Mendezz:

e Tinderbox, de Monique Houraghan e Dan Tucker:

A incrível versão do Deftones:

A versão de She & Him, que fez parte da trilha sonora do longa 500 dias com ela (500 days of Summer):

The Dream Academy, com uma versão instrumental muito boa:

Agridoce: músicas quase doces para pessoas nem tão doces assim!

Não é segredo pra ninguém que sempre gostei da Pitty, tanto da sua banda como da sua pessoa, que conheço muito pouco, de entrevistas e letras de música, muito mais do que pessoalmente. Depois algum tempo de reflexão, cheguei à conclusão que esse encanto se deu por identificação com a maneira diferente e não hipócrita de falar e analisar a condição humana que Pitty carrega em suas composições, seja com a banda Pitty ou com o Agridoce. Se em seu projeto principal a maneira de abordar os temas é mais incisiva e clara, o Agridoce, por outro lado, deu à cantora a oportunidade de explorar um outro lado de sua personalidade, talvez mais subjetivo, e não por isso inferior. E que bom que ela resolveu compartilhar esse lado até então desconhecido, além de sua vontade e vocação para explorar outros ritmos e sonoridades. O mundo agradece!

O disco do Agridoce, de título homônimo, começa com um convite ao espectador para que este penetre no universo em que foi gravado o disco, intitulado “Agridocelândia” – uma maneira divertida de se referirem à casa localizada na Serra da Cantareira, onde Pitty e Martin ficaram isolados por mais de 20 dias e se deixaram levar por suas composições – com sons de fundo onde é possível ouvir o canto de pássaros e fisgar um pouco do clima ambiente. “Once in hell, embrace the devil” é parte do refrão da música que abre o álbum, falando com sutileza de como algumas pequenas mentiras acabam se tornando inevitáveis e essenciais para que nossos relacionamentos funcionem, mostrando já a dualidade presente no disco: músicas que apetecem os ouvidos, mas nem sempre a razão.

Divulgação; Foto: Caroline Bittencourt

“Dançando”, o primeiro single do Duo e segunda faixa do CD, seguindo a mesma linha da música que a antecede, acaba falando de uma maneira pouco comum da felicidade, do prazer de vivenciar belas tardes com os amigos e os momentos singelos da vida, fazendo um contraponto ao sentimento de não-inserção no mundo e até misantropia. O piano, o violão dedilhado e as várias camadas presentes na música, identificáveis mais facilmente com a ajuda de fones de ouvido, revelam outra característica presente no álbum: o tom minimalista e cheio de improvisos, já que durante a gravação a dupla utilizou sons do ambiente, e muitas vezes de elementos inusitados para compor a sonoridade única que marca suas músicas, como a técnica do “piano preparado”, que consiste em interferir no som do instrumento colocando objetos sobre suas cordas, criando efeitos peculiares.

Com canções em Inglês, Português e Francês, Agridoce segue nada óbvio, com letras que enganam ouvidos desatentos, cantando um romantismo muitas vezes byroniano, angustiado, pessimista e lúdico, como em “Ne Parle Pas”, onde o alter-ego com seu jogo de palavras me faz imaginar uma cena de sedução entre dois gatos felpudos ou “Romeu”, e em “Epílogos e Finais”, que revela o sentimento de inconformismo com a brevidade da vida e, unindo-se a “130 anos” e “O Porto”, gera inúmeras reflexões existencialistas ao ouvinte. Além disso, o álbum parece não se encaixar em nenhum rótulo musical: não é MPB e nem Folk, apesar de ter influências de ambos os ritmos, sendo a união de dois músicos trabalhando para a criação de algo original, maduro e despretensioso, como se mostrou o projeto desde sua origem.

Tão bom quanto o álbum, é o show do duo, que conta com a presença de dois músicos convidados, Loco Sosa (Samples e programações) e Luciano Malásia (Percussão) – que foram imprescindíveis para manter o minimalismo das canções e torná-las executáveis ao vivo – e apresenta além de todas as músicas do disco, algumas que acabaram ficando de fora, como B-day, e Alvorada, levando aos palcos o clima intimista, melancólico, reflexivo e introspectivo do projeto paralelo de Pitty e Martin. O único defeito dos músicos é terem um repertório curto demais!

Para ouvir o disco: http://agridoce.net/