Assisto e recomendo: O Negócio – Série Nacional no HBO

Aproveitando a noite de sábado, passei aqui para fazer algo que há séculos não fazia: recomendar uma série nacional incrível chamada O Negócio. Criada por Luca Paiva Mello e Rodrigo Castilho, a série estreou em agosto de 2013 e agora está em sua 2ª temporada, causando muita polêmica e recheada de cenas quentes.

A história conta sobre três mulheres, Karin, Luna e Magali (Rafaela Mandelli, Juliana Schalch, Michelle Batista), que buscam dar uma guinada em sua profissão. Acontece que as três são garotas de programa e, em meio ao caos aéreo de São Paulo, dão início a uma carreira de muito sucesso.

O que me chama a atenção na série é ver a prostituição sendo tratada por um ponto de vista ao qual não estamos acostumados: as profissionais são mulheres seguras, donas de si mesmas, que não adentraram o mundo da prostituição devido a qualquer tipo de opressão. Elas querem dinheiro, querem independência, e a prostituição nada mais é do que sua forma de empoderamento.

No mais, a produção é muito bem feita, provando que o Brasil é capaz de criar entretenimento genuíno, de qualidade e encontrar um público assíduo e fiel.

Recomendo: Veias Abertas da América Latina

Eduardo Galeano tem sido sinônimo de gênio para mim desde que comecei a ler Veias Abertas da América Latina. É um livro imprescindível, deveria ser obrigatório nas escolas e pra qualquer pessoa que deseja conhecer mais a fundo a história de seu país e continente e entender de quais maneiras a colonização invasão europeia influencia nossa cultura, nossa organização social e os problemas que nos impactam atualmente.

O livro é interessante, nos mostra uma perspectiva histórica que não aprendemos com os livros da escola. Temos uma visão muito mais clara e menos romântica ao ler as constatações do autor, que, ao contrário de autores didáticos, não maquia as opressões pelas quais passaram os nativos habitantes da América, os negros, as mulheres e as classes oprimidas pelo capitalismo em suas diversas fases. Por vezes, as palavras irônicas e duras do autor doem como um tapa na cara.

O autor nasceu em Montevidéu nos anos 40, se tornando um dos grandes jornalistas e escritores do Uruguai. Foi perseguido pela ditadura militar em seu país e foi obrigado a se exilar na Argentina e Espanha, tendo sido incluso na lista do esquadrão da morte e caçado por seus ideais socialistas e revolucionários. Escreveu em 1971 sua mais conhecida obra, Veias Abertas da América Latina e esta parece atemporal, nos fazendo entender melhor tempos de protestos, de mídias compradas e sujas, de governos que fazem desapropriações e matam moradores das favelas.

Para desvendar os mistérios da extração do ouro e das misérias.

Livro disponível em PDF.

Mallu Magalhães: Mais Velha e Mais Louca

Me perdoem pela piadinha impensada do título, mas eu realmente acredito que o último CD da Mallu Magalhães nos trouxe essa certeza de que ela cresceu e está muito mais madura musicalmente falando! Sempre gostei da música e do fato dela ter começado a carreira bem menina, disponibilizando música através do My Space e, mesmo sendo tímida, ter saído tocando por aí quando começou a obter retorno. E sempre torci para que ela lançasse coisas novas que me tocassem como algumas músicas fizeram no início da carreira. A influência do Marcelo Camelo fez bem pra ela!

Achei o clipe de Velha e Louca de uma beleza ímpar. Tanto letra quanto música são espetaculares e a Mallu está linda no clipe, perdeu o ar de adolescente e se desprendeu de algumas neuras! A transição do Folk para a música essencialmente brasileira caiu muito bem à Mallu! Não consigo mais parar de ouvir o disco, acho que o descobrimento da liberdade e da força pessoal dela estão condizendo comigo!

O clipe de Sambinha Bom também é incrível, tanto em termo de linguagem quanto em fotografia:

Não consigo parar de ouvir: John Mayer e Carla Bruni

Há algumas semanas, resolvi reativar meu tumblr e escolhi um novo tema para ele: amor. Não apenas o amor romântico, mas também o amor carnal e, preparando a playlist que começa a tocar automaticamente assim que o blog abre, adquiri alguns vícios musicais novos.

O primeiro é o John Mayer, que já conheço há bastante tempo. Seu primeiro disco foi lançado em 2001 e desde então ele está aí nas paradas, arrasando o coração de muitas mulheres e esquentando o clima de outras. Seus principais sucessos são Daugthers, Your Body is a Wonderland, Why Geoergia, Neon, Waiting on the World to Chance, entre outras.

Carla Bruni é mais conhecida por ser modelo, atriz e casada com o ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy. Mas o que interessa aqui é o talento musical da moça, que tem canções em Inglês e Francês igualmente incríveis. A mais conhecida, sem dúvida alguma, é Quelqu’un m’a ditnome também de seu primeiro disco, lançado em 2003. Depois dele, foram lançados mais dois discos: No Promises (2007) e 

Em inglês, Those Dancing Days Are Gone (o clipe é lindo e ela está muito bonita nele – aliás, ela nunca está feia!)

Murar o medo – “Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós”…

Ao analisar a forma como estamos conduzindo nossos atos e nossos pensamentos, afirmo que estamos nos desumanizando a passos cada vez mais largos, repetindo as ações do passado onde iniciamos uma ode ao medo e ao terror. Com isso, além de termos oprimido, tirado o direito à privacidade e à liberdade de expressão e pensamento, passamos também a justificar a violência, o preconceito, interesses econômicos e descaso com problemas que deveriam ser de importância de toda a humanidade, como a miséria, a AIDS, e a falta de Direitos Humanos. Tendo nossa justificativa, nos portamos como senhores donos do mundo, criando uma relação onde poucos ganham e muitos perdem…

Eu não poderia falar mais do que o escritor Mia Couto, e esses pensamentos contidos nesse vídeo deixam muitos questionamentos interessantes. Recomendo o vídeo e o texto segue abaixo para quem quiser acompanhar!

Murar o medo – Mia Couto

O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.

Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incomodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilião e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fracção muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples facto de serem mulheres.

A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:

“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”

E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

Mia Couto