Namorado de Aluguel

Recentemente me chamou a atenção nas atualizações de uma colega em uma rede social um compartilhamento de um tal de “namorado de aluguel”. Um pouco desacreditada, sem saber muito o que esperar do assunto, abri o link para ver do que se tratava e lá estava: era um rapaz que vendia seu tempo livre por R$100,00/hora e se propunha a sair com mulheres para “emprestar” sua companhia. Dizia no anúncio de seu site que aceitava convites para jantares – desde que a anfitriã pagasse -, tardes assistindo comédias românticas de pijama na sala, que seria capaz de conversar sobre todo e qualquer assunto, de colocar a moça para dormir, e, cereja do bolo, topava inclusive sair nas fotos do álbum de casamento daquela amiga que convida a mulher constrangedoramente para seu casamento.

Fiquei desorientada. Primeiro porque não tratava-se da venda de sexo, prazer, algo a que já nos habituamos, e sim de um “namorado de aluguel” vendendo seu  tempo e sua atenção. Depois porque parece que finalmente estamos nos tornando vítimas das nossas próprias criações, conectados até enquanto dormimos mas criando relações humanas cada vez menos íntimas e sólidas, tanto que estamos começando a ser seduzidos pela ideia da compra e venda de carinho e atenção, algo que sempre tivemos gratuitamente e de bom grado. Após uma breve pesquisa, descobri ainda que hoje pode-se contratar namorados de mentira via Mercado Livre e especializados em causar ciúmes e despertar a inveja nas redes sociais através de sites que fazem pacotes de acordo com o número de comentários amorosos que se deseja nas redes e que vêm fazendo o maior sucesso.

Se por um lado pagar por uma boa companhia garante uma troca de experiências honesta difícil de se encontrar por aí, por outro  parece triste depois do combinado simplesmente assinar um cheque e voltar para casa com a solidão de companhia. E eu diria ainda que a solidão não é um problema, que ela é necessária e importante, que todo mundo deve aprender com ela doses de amor próprio e pilulas de auto-conhecimento e que invejável mesmo é ser bem resolvido. Dane-se se todas as amigas estão pensando em se casar no próximo ano, se todo aquele pessoal do colégio hoje está começando a ter filhos. Enquanto se fica para titia a gente planeja uma viagem, improvisa.

No mais, toda mulher com R$100,00 por hora disponíveis para gastar provavelmente prefere investir em roupas, pares de sapatos, perfumes e bolsas. Estes ainda duram mais do que uma boa companhia – paga.

“Não há silêncio na solidão”

Ela coçou a orelha com a ponta dos dedos, a alergia de sempre dos brincos a fez arrancá-los sem pensar duas vezes, e sentou-se à beira do sofá tirando os sapatos. Finalmente em casa (ou infelizmente em casa), no silencio que perturbava a paz do ambiente enquanto seus irmãos menores e seus pais dormiam tranquilamente. Sentia que uma bomba ou qualquer coisas que fizesse barulho ou gerasse movimento precisava explodir porque enquanto estava ali naquele marasmo de vida sua cabeça era perturbada com milhares de insatisfações. “Não há silêncio na solidão”, lembrou do trecho da música que ouvira a duas horas atrás e achou que finalmente havia encontrado um sentido para a canção, com exemplos refletidos naquela melancolia momentânea, com sensação de prazer interrompido na metade, expectativa frustrada, vontade de uns porres, de chorar, de achar algum sentido novo para a vida.

Foi para o quarto, despiu-se das roupas com cheiro de cigarro e cerveja, entrou embaixo do chuveiro, ignorando o celular vibrando na pia do banheiro, enquanto tentava entender ou parar de pensar por que era sempre ela a imaginar situações pelas quais gostaria de passar, fantasiar amigos, lugares, amores e nunca viver nada disso. Sentia-se pela metade, assim como tinham sido todas as suas experiências amorosas, até onde ela deixava que as pessoas, inclusive seus próprios amigos, a conhecessem. A insatisfação era generalizada, aparente e incurável.

Precisava se encher de compras, de risadas em mesas de bar, enxergar beleza na simplicidade das coisas, e não sabia como fazer nada disso. Suas fantasias pareciam não poder se encaixar a realidade. Não conseguia se imaginar bonita como eram bonitas as meninas que ela via todos os dias no metrô e tentava descobrir o que as tornava tão interessantes. Não se imaginava feliz como os casais que ela via nos domingos em suas caminhadas matinais. “No fundo você se acha incapaz. E sem necessidade! Depois que você foi embora ele ficou aflito, querendo saber o que te deu!”, dizia a mensagem no visor do celular.

Enquanto fosse infeliz e insegura, tampouco iria parecer feliz ou bem resolvida, pensou. Talvez devesse começar a agir ao invés de esperar que a vida fizesse acontecer e procurar por si só entender sobre as coisas que as pessoas geralmente acham graça, conhecer novas pessoas ou, quem sabe, continuar fazendo as mesmas coisas com as pessoas de sempre e um espírito diferente. Devia ter hesitado em tirar os brincos, trancado a porta no instante em que a destrancou e vestido um sorriso na cara e disfarçado. Quem sabe se levasse si mesma e as próprias fantasias a sério, então as pessoas e o universo passassem a acreditar nelas também. Já era tarde, foi se deitar com os ácaros cantantes de seu travesseiro. Eles completavam a música.

“Voltar a ser alguém que me caiba
Sempre lembrar de que nunca mais
Chega mais cedo do que se pensa”

*Título e trechos da música: Me Perdi – Martin & Eduardo