Crônicas de um amor clichê

Ainda me lembro daquela tarde de café no Starbucks e a nossa foto tirada no espelho. Não bastasse todo o clichê de filme americano, eu também achava que estava diante do único ser humano que poderia compreender meus clichês existencialistas. Mulher-independente-segura-cheia-de-si-e-de-aço-com-vontades-próprias-mas-que-também-quer-um-amor-porra. Tão simples, não? Não. Confirmado à contra-gosto o clichê de que homem teme sim mulher que sabe de si e impõe suas vontades e que mulher, claro, adora fazer cena pra ver se no desfecho se sente um pouco mais amada. Outro clichê que confirmo com vontade é que mulher sempre enfia o pé na jaca com menos cuidado. Se doa, imagina, faz planos enquanto arruma o formato da sobrancelha sozinha diante do espelho e, se não tomar cuidado, se frustra.

Nunca soube conduzir muito bem o raciocínio, mas o que me parece, é que os poetas e seus clichês estão todos certos. “Amor é um cão dos diabos”, ou seja lá o que você escolhe dizer se não for chegado a Bukowski. Prefiro vodka. Amor é uma merda. Amor enche o saco. Dá dor de estômago. Tira o sono. Xico Sá já disse: “A vida é breve, a D.R. é longa.”.

Se a gente ama demais, acaba não amando de um jeito que seja eficaz: esquece que amar também é dar espaço pro outro não sufocar, e esquece de se amar também. Se ama de menos… Calma, existe isso de amar de menos? Existe tanto pra se dosar. Aprender a fazer concessões. Dialogar. A cabeça de uma mulher sempre faz parte do quebra-cabeças masculino.

No final das contas, meus caros, mulher nenhuma é santa mesmo. Dentro da nossa cabeça sempre mora um diabinho que vos insiste em manipular com as mais descaradas chantagens emocionais e atuações teatrais. Na verdade, ela não te odeia. Ela te ama, mas o fez acreditar que está transando com o cara mais maravilhoso do planeta porque você não deu conta do recado. Mas deu sim. E ela não te tira mais da cabeça. Você só deu uma mancada, e ela quer que você reconheça sua parcela de culpa. E ela gosta de saber que ganha tão bem quanto você, ou que rala igual, agir como quem não precisa de ninguém, mas ela precisa. E aposte que justamente por isso, por ela ser dona de si, é que ela te deixa ser cúmplice nessa propriedade privada com tanta honestidade. Uma mulher sempre vai ser um pouco de ajuda ou bagunça no seu caos.

P.S.: Me desculpem por mais um texto hétero normativo demais.

 

 

Namorado de Aluguel

Recentemente me chamou a atenção nas atualizações de uma colega em uma rede social um compartilhamento de um tal de “namorado de aluguel”. Um pouco desacreditada, sem saber muito o que esperar do assunto, abri o link para ver do que se tratava e lá estava: era um rapaz que vendia seu tempo livre por R$100,00/hora e se propunha a sair com mulheres para “emprestar” sua companhia. Dizia no anúncio de seu site que aceitava convites para jantares – desde que a anfitriã pagasse -, tardes assistindo comédias românticas de pijama na sala, que seria capaz de conversar sobre todo e qualquer assunto, de colocar a moça para dormir, e, cereja do bolo, topava inclusive sair nas fotos do álbum de casamento daquela amiga que convida a mulher constrangedoramente para seu casamento.

Fiquei desorientada. Primeiro porque não tratava-se da venda de sexo, prazer, algo a que já nos habituamos, e sim de um “namorado de aluguel” vendendo seu  tempo e sua atenção. Depois porque parece que finalmente estamos nos tornando vítimas das nossas próprias criações, conectados até enquanto dormimos mas criando relações humanas cada vez menos íntimas e sólidas, tanto que estamos começando a ser seduzidos pela ideia da compra e venda de carinho e atenção, algo que sempre tivemos gratuitamente e de bom grado. Após uma breve pesquisa, descobri ainda que hoje pode-se contratar namorados de mentira via Mercado Livre e especializados em causar ciúmes e despertar a inveja nas redes sociais através de sites que fazem pacotes de acordo com o número de comentários amorosos que se deseja nas redes e que vêm fazendo o maior sucesso.

Se por um lado pagar por uma boa companhia garante uma troca de experiências honesta difícil de se encontrar por aí, por outro  parece triste depois do combinado simplesmente assinar um cheque e voltar para casa com a solidão de companhia. E eu diria ainda que a solidão não é um problema, que ela é necessária e importante, que todo mundo deve aprender com ela doses de amor próprio e pilulas de auto-conhecimento e que invejável mesmo é ser bem resolvido. Dane-se se todas as amigas estão pensando em se casar no próximo ano, se todo aquele pessoal do colégio hoje está começando a ter filhos. Enquanto se fica para titia a gente planeja uma viagem, improvisa.

No mais, toda mulher com R$100,00 por hora disponíveis para gastar provavelmente prefere investir em roupas, pares de sapatos, perfumes e bolsas. Estes ainda duram mais do que uma boa companhia – paga.

O que ele viu em mim?

Você gosta daquele seu jeans que faz com que você pareça mais magra e detesta ó vestido com uma fenda nas costas que ele te deu de aniversário. Você se ama naqueles dias em que o seu cabelo amanhece como se tivesse acabado de sair do salão, mas ele gosta quando você acorda com preguiça de penteá-los, faz um daqueles coques meio mal-feitos, e passa o dia com ele. Ele gosta das caras que você faz enquanto lê um livro engraçado, e fica com aquele sorriso no canto dos lábios. Você nem percebe, mas ele gosta mais de quando você age naturalmente do que quando você se prende a inseguranças e age como se seguisse um roteiro ensaiado de caras, bocas, cabelos e maquiagem.

Ele parece gostar de você exatamente pelos motivos opostos aos quais você preza a si mesma. Você se sente mais segura com aquele novo corte que te deixa com cara de moderninha, mas ele prefere o cabelo antigo, que te deixa com cara de você mesma. E ele te deixa com a impressão de que as características que você e ele detestam em si mesmos são completamente diferentes. Os relacionamentos têm dessas, a gente nunca é amado ou odiado pelas coisas que a gente acredita que é! Ele odeia aquele colete que você o obriga a usar por cima da camisa nos dias de frio; ele diz que fica com cara de nerd, mas você acha que combina com a barba dele e o deixa mais charmoso.

Vocês custam a acreditar um no outro, mas no fundo sabem que esse é um dos pontos mais incríveis de estar ao lado de alguém: sempre dá para descobrir coisas sobre nós mesmos através e com a ajuda do outro. Estar ao lado dele te faz parecer mais real, se sentir mais mulher, mais livre, com mais vontade de ser quem você é e se livrar a cada dia de qualquer insegurança ou vergonha que isso te traga. Te faz acreditar que não só você ou ele, mas que toda pessoa é muito maior do que parece ser e muito mais do que cabe em si. É até esquisito, mas quando ele diz que ama aquela sua marca de nascença que você sempre acreditou que estragava suas pernas, ele te faz perceber que, mesmo com todos os altos e baixos da relação de vocês, um ponto muito crucial ainda está presente para segurar tudo: ele atura as coisas que você julga mais irritantes em si mesma e isso o torna diferente de todos os outros.

O Problema do Amor Unilateral

Semana passada, lendo alguns blogs, fui apresentada ao psicanalista Flávio Gikovate, que foi um dos pioneiros no Brasil a abordar questões sobre amor e sexualidade. Gikovate escreveu diversos livros e apresenta todos os domingos às 21h, pela CBN, o programa “No divã do Gikovate”. Foi uma enorme e maravilhosa surpresa assistir a uma palestra do psicanalista na qual ele fala sobre amor e sexualidade, temas que por serem dotados de tantos clichês e obviedade, tornaram-se chatos e desinteressantes. Gikovate porém, os abordou com uma enorme clareza e os expondo de maneira pouco corriqueira, provou que é sim possível falar sobre amor e sexualidade sob novas perspectivas.

Segundo o autor, crescemos buscando a sensação de perfeição, paz e plenitude que sentíamos ainda no ventre materno, que seria responsável pelo fenômeno do amor. Entretanto, crescemos acreditando em uma forma de amor que foge à realidade dos relacionamentos amorosos saudáveis e felizes, já que esta se baseia na ideia de um amor romântico, no sentido literário da palavra, que parte da premissa de que o indivíduo é sempre incompleto e então, irá se relacionar com outro ser tão incompleto e assim, os dois irão se completar, como se essas pessoas fossem a “fórmula da felicidade” de seus respectivos amores. Contudo, esse modelo não funciona, pois, baseado nessa relação de inter-dependência, os envolvidos passam a descontar suas frustrações e insatisfações nos parceiros, e a relação jamais evolui. Daí surge também a ideia de quem os opostos se atraem, visto que a mesma é alicerçada nos dizeres de que o o traço que um indivíduo não possui por natureza, ele irá encontrar em seu parceiro.

E então, dado o problema, qual seria a solução, a fórmula secreta que todos querem descobrir para viver relacionamentos amorosos saudáveis, felizes e prósperos? O segredo estaria na individualidade, que leia-se, é totalmente diferente do egoísmo. E realmente faz muito mais sentido: uma relação entre duas pessoas que são completas, que sabem conviver consigo mesmas, que não se afligem com a solidão e que se amam e acrescentam um ao outro. Foi lendo Gikovate que entendi o motivo de ser tão incompreendida por algumas amigas e de (quase) sempre me envolver com as pessoas erradas. Foi Rita Lee quem disse: “Amor sem sexo é amizade”, mas quando avançamos no patamar dos relacionamentos, acabamos nos envolvendo sentimentalmente com quase-amigos, quase por que, além do envolvimento afetivo, há simultaneamente o envolvimento sexual.

Estar ou não em um relacionamento concreto, estar namorando, morando junto, ou casado com alguém, é tido como um bônus para alavancar o status social, logo quem não está envolvido com ninguém é tido como um coitado, visto como incompleto. Realmente nunca tive ou sempre deixei minha sorte no amor escapar, o que não significa que eu seja menos feliz do que alguém que tem com quem dividir o travesseiro todas as noites. De fato, depois que parei de emendar relacionamentos que pouco me fizeram crescer, e perdi o medo de ficar sozinha, de não ter sempre companhia para o cinema, para quem ligar tarde da noite e falar coisas quentes, aprendi a gostar de quem eu sou e reconhecer o que há de bom e de ruim em mim, e conquistei o prazer de conviver e lidar bem com isso. Não há nada mais gratificante do que conhecer a si mesmo, e saber que esse auto-conhecimento foi conquistado à suas próprias custas, sem depender de uma terceira pessoa e claro, usar isso a seu favor, escolhendo melhor as futuras pessoas com quem irá se relacionar.

Contudo, é difícil que as pessoas percebam isso, como eu também demorei a perceber, e continuem no eterno ciclo vicioso dos relacionamentos de inter-dependência que nunca funcionam, até que resolvam mudar a fórmula. Talvez a dificuldade nessa mudança seja fruto de uma ideia de posse e ciumes existente na maioria dos relacionamentos, que ao invés de serem baseados na cumplicidade do casal, se estruturam em cobranças e obrigações. Nessa situação, acaba sempre existindo aquele que necessita menos de amor e o que necessita mais, sendo que sempre vai haver insegurança, insatisfação e a grande armadilha do amor unilateral,onde um sempre ama mais, ou ama a projeção que fez do outro para alimentar suas expectativas desesperadas de encontrar companhia e a cura para seu vazio interior. Não sei se é muito, mas talvez seja mais difícil encontrar quem esteja disposto a vivenciar um relacionamento “moderno” onde o amor e não convenções sejam a regra, e que haja sinceridade para que nenhuma das partes se aproveite da liberdade que o relacionamento fornece para garantir benefícios apenas a si próprio.

E segue abaixo um trecho da palestra de Flávio Gikovate no programa Café Filosófico:

As demais partes do vídeo podem ser vistas no youtube e se você quiser saber mais sobre o tema, pode ler o artigos no site do psicanalista.