O Preconceito Linguístico: um meio de exclusão social

Existem inúmeras formas de preconceito, mas talvez um dos  mais praticados e menos discutidos seja o preconceito linguístico. Segundo Marcos Bagno, autor do livro “Preconceito Linguístico – o que é, como se faz.”, esse tipo de preconceito nasce da ideia de que há uma única língua portuguesa correta, que é  a ensinada nas escolas, está presente nos livros e dicionários e baseia-se na gramática normativa. Apesar de ser muito importante a existência de uma norma que regulamente a escrita, a torne homogênea e defina suas regras, a mesma acaba servindo como instrumento de exclusão social, já que ao não reconhecer a língua como uma unidade viva e mutável, ela passa a ser utilizada como meio de distinção social daqueles que têm acesso a educação, e consequentemente, mais poder aquisitivo, e daqueles que não têm. Além disso, acaba gerando também o preconceito com determinadas construções linguísticas que variam de acordo com as regiões do país. Não há, portanto, como falar de preconceito linguístico sem falar em regionalismo.

Como no Brasil a educação de qualidade não é de fácil acesso a todas as pessoas, apenas uma parcela da população – a que possui condições financeiras para garantir uma boa educação – tem acesso ao estudo da língua “correta”, enquanto a outra é considerada “sem língua”, já que a língua-padrão não engloba as variações, gírias, que representam o modo como essas pessoas falam. É importante perceber que a língua que falamos não é a mesma que escrevemos, portanto ninguém fala errado, já que e a escrita não é apenas uma forma de transcrever o que dizemos em forma de símbolos. Sua função é garantir a comunicação efetiva, ou seja, se esse fim se cumpre, a comunicação e a língua utilizadas estão “corretos”.

O preconceito linguístico revela um preconceito mais grave: a inferiorização de nordestinos e pessoas de outras regiões do Brasil que não são tão desenvolvidas financeiramente, mas que abrangem uma cultura local riquíssima e, por tabela, a supervalorização do eixo sul-sudeste, para onde migram essas pessoas, em busca de melhores condições de vida. Assim, marginalizadas e excluídas, esses migrantes acabam fazendo todo o trabalho sujo, garantindo o sustento das classes média e alta do país. São pessoas como nós, e dependemos do esforço delas para garantirmos nosso arroz, feijão, nosso açúcar, a limpeza das ruas por onde passamos, mas as tratamos como cidadãos de terceira categoria. “É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão, principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano lingüístico, atores não-nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é falada em lugar nenhum no Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que aquela deve ser a língua do Nordeste de Marte! Mas nós sabemos muito bem que essa atitude representa uma forma de marginalização e exclusão.” (BAGNO, p. 44)

Para ilustrar isso, eu gostaria de apresentar a vocês uma música, do Teatro Mágico, chamada Zaluzejo:

O Teatro Mágico – Zaluzejo 

Ah eu tenho fé em Deus… né?
Tudo que eu peço ele me ouci… né?
Ai quando eu to com algum pobrema eu digo:
Meu Deus! me ajuda que eu to com esse problema!
Ai eu peço muito a Deus… ai eu fecho meus olhos… né?
eu Deus me ouci na hora que eu peço pra ele, né?
Eu desejo ir embora um dia pra Recife
não vou porque tenho medo de avião, de torro…de torroristo
ai eu tenho medo né?
Corra tudo bem… se Deus quiser… se deus quiser…”

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
“eu sou uma pessoa muito divertida”

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
“não sei falar direito”

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
“não sei falar”

Tomar banho depois que passar roupa mata
Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca
E o rádio diz que vai cair avião do céu
Senhora descasada namorando firme pra poder casar de véu

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
“não sei falar”

Quando for fazer compras no Gadefour:
Omovedor ajactu, sucritcho, leite dilatado, leite intregal,
Pra chegar na bioténica, rua de parelepídico
Pra ligar da doroviária, telefone cedular

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
“não sei falar”

Quando fizer calor e quiser ir pra praia de Cararatatuba,
cuidado com o carejangrejo
Tem que ta esbeldi, não pode comer pitz, pra tirar mal hálito
toma água do chuveiro
No salão de noite, tem coisa que não sei
Mulé com mulé é lésba e homi com homi é gay
Mas dizem que quem beija os dois é bixcional…
só não pode falar nada,
quando é baile de carnaval

Pra não ficar prenha e ficar passando mal, copo d’água
e pílula de ontemproccional
Homem gosta de mulher que tem fogo o dia inteiro,
cheiro no cangote, creme rinsa no cabelo
Pra segurar namorado morrendo de amor
escreve o nome num pepino e guarda no refrigelador,
na novela das otcho, Torre de papel,
Menina que não é virge, eu vejo casar de véu

Se você se assustar e tiver chilique,cuidado pra não morrer
de palaladi cadique
Tenho medo da geladeira, onde a gente guarda yogute,
porque no frio da tomada se cair água pode dá cicrutche
To comprando um apartamento e o negócio ta quase no fim
O que na verdade preocupa é o preço do condostim
O sinico lá do prédio, certa vez outro dia me disse:
Que o mundo vai se acaba no ano 2000 é o que diz o acalipse

Tenho medo de tudo que vejo e aparece na televisão
Os preju do Carajundu fugiram em buraco cavado no chão
Torrorista, assassino e bandido, gente que já trouxe muita dor
O que na verdade preocupa é a fuga do seucrostador
Seucrosta quem não tem dinheiro, quem não tem emprego
e não tem condução
Documento eu levo na proxeca porque é perigoso carregar na mão

Mas quando alguém te disser ta errado ou errada
Que não vai S na cebola e não vai S em feliz
Que o X pode ter som de Z e o CH pode ter som de X
Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz

“E eu sou uma pessoa muito divertida…
eles não inventavam nada… eu gostava de inventar as coisa
não sei falar direito…
inventar uma piada, inventar uma palavra, inventa uma brincadeira…
não sei falar
me da um golinho… me da um golinho…”

E com muito prazer que eu convido agora todos aqueles
que estão ouvindo esta canção
Para entoar em uníssono o cântico: Omovedor, Carejangrejo
Vamos aquecer a nossa voz cantando assim:
Iô,iô,iô. Iô,iô,iô,iô, eu digo:
Omovedor, Carejangrejo, Omovedor, carejangrejo… Omovedor!
“omovedor… carejangrejo… só isso que eu tenho pra falar falar!”

14 comentários em “O Preconceito Linguístico: um meio de exclusão social

  1. ”gostei de sua pesquisa,ela é bem convensiva e traz consigo uma recíproca de como nós nordestinos somos descriminados em outras partes de nosso país.Pois não falamos errado mas temos linguajares diferenciados que trazemos desde nossa criacão, então não se pode dizer que não sabemos gramática,pois sabemos.”

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  2. Em um país onde apenas uma parcela da população tem acesso a educação de qualidade, o preconceito linguístico é uma prática indevida e injustificável.No Brasil, com sua diversidade cultural, não é possível impor um padrão na escrita e na fala. É fato que somos diariamente influenciados pelo ambiente em que vivemos,e também pelas gerações passadas das quais somos descendentes. Por isso o preconceito linguístico atualmente acaba causando a exclusão social daqueles com menos acesso a informação e a leitura. Esse tipo de atitude acaba distanciando ainda mais “do padrão” imposto pela sociedade. Beijos , PARABÉNS! ❤

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  3. Não concordo com o seu segundo parágrafo, acho que nos dias atuais grande parcela da população tem acesso a educação sim! Exclusos apenas aqueles de remotas cidades do nordeste, norte, na qual vemos as condições precárias de escolas que sequer têm quadros negros decentes… Acredito que o grande problema da educação no Brasil é a falta de interesse dos alunos, lógico que as escolas têm grandes problemas educacionais, não estou falando que não tem, e também não estou defendendo totalmente a norma culta, acredito que todos devem ser respeitados no seu modo de falar, mas que também, devem conhecer as duas variedades da lingua, tanto a culta quanto a informal, além de saber usa-las cada qual na hora certa…

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    1. Ninguém precisa fazer algum esforço para aprender gíria, pois estas variam e usa quem quer. Neste país é sempre mais cômodo falar em preconceito para dizer que a culpa dos problemas das pessoas é de outras que não dos meios competentes para mudar a situação. Por que será que existem muitas pessoas que falam “tu” mas usam verbo na terceira pessoa? Porque a maioria não teve educação de qualidade, e isso não é somente para os pobres, eu me refiro a pessoas que têm ensino superior, mas se eu usar mesóclise, palavras cultas, verbo do futuro, etc no dia-a-dia vão dizer (dirão) que sou arrogante, preconceituoso, classista.

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  4. O Preconceito Linguístico
    A ideia de Brasil como país monolíngue ainda é extremamente veiculada, seja pela escola, seja pelas instituições sociais, políticas ou religiosas, seja pela mídia. A aceitação de um Brasil monolíngue gera um grave problema, “pois na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-los” (Bortoni-Ricardo, 1984, p. 9). Paradoxalmente, com tantas referências aos povos indígenas na imprensa devido à comemoração dos “500 anos de Brasil”, ainda nos esquecemos das línguas indígenas. Também não levamos em conta as variantes do português em contato com idiomas estrangeiros nas colônias de imigrantes. Por fim, não são consideradas todas as variantes linguísticas do português, sejam regionais ou sociais. Ainda dá status falar “corretamente”, na ideia ingênua de que a língua dita culta é uma ponte para a ascensão social. Quem não domina a variante padrão é marginalizado/a e ridicularizado/a: na hora de preencher uma vaga profissional, num concurso vestibular, numa situação de conferência, na escola. Essa variante padrão, no entanto, é reservada a uma ínfima parte da população brasileira (a mesma que detém o poder econômico e político). Não é difícil perceber que o modo de falar “correto” é aquele dessa elite e que o modo “errado” é vinculado a grupos de desprestígio social. Conforme Marcos Bagno (1999), há no Brasil uma “mitologia” do preconceito linguístico, que prejudica toda a nossa educação e nossa formação enquanto cidadãos para além de um termo teórico. Bagno enumero oito mitos que, no conjunto, servem para solidificar e transmitir a visão (essa sim, errada) de que o Brasil apresenta uma unidade linguística e que são os/as brasileiros/as que não sabem falar português corretamente (portanto, não há dialetos, variantes, mas sim deformações do português).

    Do ponto de vista científico, tais afirmações chegam a ser ridículas e só conseguimos defendê-las a partir de argumentos como: “é certo falar/escrever assim porque assim ensina a Gramática”, “é correto isso porque em Portugal se faz dessa maneira”, “essa forma é feia, não soa bem, não é de bom tom”. A eleição de uma variedade “culta”, padrão tem a ver com causas políticas e históricas, não linguísticos strictu sensu. Ao estudar com seriedade e sem preconceitos a língua, o que percebemos é que todas as variantes são “corretas”, que todos sabem gramática e que há regularidades no que se convencionou chamar de “erro” gramatical.

    Outro equívoco que contribui para a disseminação do preconceito linguístico é restringir à gramática o ensino da língua. Cada vez mais acredita-se que o domínio da gramática normativa garante leitores/escritores críticos e ativos. Essa falsa noção é largamente difundida, tanto na escola, como em inúmeros manuais “inovadores”, colunas de jornais e programas de rádio e televisão. Não é preciso muita investigação científica para desmistificar tal noção. Ao descrever seu objeto de estudo, os gramáticos têm a falsa ideia de que o compreenderam. Exclui-se, dessa forma, todas as variáveis que interpelam a linguagem e a constituem (fatores biológicos, sociais, históricos, políticos, culturais, afetivos etc.).

    O preconceito linguístico acaba sendo mais uma arma daqueles que mantêm o poder em suas mãos. A marginalização linguística restringe o acesso a documentos vitais ao cidadão, como a constituição e os contratos. A cidadã ou o cidadão que não domina a variedade padrão está privado de seus direitos (será que podemos, então, considerá-la/o como cidadã/o?).

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  5. Muito bom o texto! Mas interessante, ele está muito bem escrito e respeita todas as regras gramaticais. Acho que a autora foi muito preconceituosa e excludente.

    Adoro esta vitimização que liga o poder aquisitivo diretamente ao ensino e a educação “ela passa a ser utilizada como meio de distinção social daqueles que têm acesso a educação, e consequentemente, mais poder aquisitivo, e daqueles que não têm”. Além de ser de uma mediocridade gritante, tal argumento se embasa em uma lógica determinista perversa, na qual o pobre permanecerá iletrado, isso é tão grotesco e vil que para sustentar tal argumento nós teremos simplesmente que obliterar metade dos personagens da nossa “alta cultura”, ignorar completamente a classe dos maiores pensadores da história e colocar a educação não como um preceito humano básico e agregador, mas sim como mais um produto no mercado.

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    1. Só um adendo: O conceito de “Preconceito Linguístico” vem sendo estudado nas cadeiras de linguística em inúmeras universidades de ensino de Letras, há mais de dez anos. Vários são os autores de lançaram estudos sobre, logo a tal lógica “determinista e perversa” não seria apenas desta autora, especificamente.

      Falar que existe uma língua que não é padrão, considerada “errada” sem ser, visto que exerce sua função principal, que é comunicar, não tem nenhuma relação com vitimização ou obliteração da “alta cultura”. Uma premissa sem lógica, essa sua.

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      1. Karla falou e não disse nada, me mostre com argumentos o por que não se trata de uma obliteração da “alta cultura”. A lógica é clara, e que além de expressar a indevida ideia de que o conhecimento linguístico está ligado a um status social elevado, ainda perpetua tal deficiência no indivíduo, uma vez que ao invés de se promover a ascensão cultural da pessoa propõe que os demais de rebaixem e aceitem a deficiência como fator comum. Isso além de tudo é um absoluto gesto de assassinato a cultura e exclusão social.

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    2. Sua perspectiva de que as coisas podem mudar,não mudou nada na realidade do pessoal que mora no sertão do nordeste,acho no quis eles quiserem colocar uma realidade!

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